:: Portal Inova.jor, artigo de Marcelo Deschamps
Passamos pelo ano de 2020 com desafios nunca imaginados ou previstos por ninguém. Nenhum prognóstico ou relatório de tendências teria imaginado em dezembro de 2019 que o aparecimento de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2 na cidade chinesa de Wuhan se tornaria esse desafio que impactaria toda economia, sociedade e até mesmo nossos hábitos pessoais mais simples, e a maneira de trabalharmos e nos relacionarmos.
Chegamos ao final do ano com mais de 70 milhões de pessoas contaminadas com mais de 1,5 milhões de mortes em 160 países. Economias destruídas ou com lenta recuperação agora, altas taxas de desempregos e grande número de empresas fechadas. Cenário que se repete em vários países com menor ou maior severidade.
Ao mesmo tempo, tivemos uma onda gigantesca de criação de novos negócios, novas startups surgindo, até mesmo para resolver muitas das necessidades decorrentes da crise, e recordes de investimentos-anjos.
Aqui no Brasil não foi diferente, o ano de 2020 será o ano com maior volume de investimentos em startups da história do país. Em levantamento recente, estima-se que o volume de investimentos no ano supere os R$ 15 bilhões, com um incremento de mais de 25% em relação ao ano de 2019. Em 2020 tivemos aproximadamente 456 operações de investimentos e 118 de fusões e aquisições entre startups. Recordes em relação aos anos anteriores.
Em 2020, consolidamos o ecossistema de investimento-anjo no Brasil com o fortalecimento dos grupos de investidores-anjos, aceleradoras, incubadoras e a difusão dos corporate ventures. Já somos mais de 8 mil investidores-anjos ativos no Brasil e, a Gávea Angels, o mais antigo no Brasil, é um dos mais atuantes.
Como se explica esse aparente paradoxo?
Alguns fatores podem explicar esse fenômeno que não é só brasileiro. O primeiro e grande motivador que pode explicar essa avalanche de investimentos em startups é o ambiente macroeconômico favorável que se potencializou com a pandemia.
As economias já vinham de uma tendência de redução de taxas de juros com taxas bem próximas de zero e até negativas. Com a pandemia, essa tendência se consolidou e seus efeitos se potencializaram com a massiva injeção de liquidez em algumas economias.
Esse excesso de recursos e as taxas de juros extremamente baixas levaram a busca de investimentos alternativos por parte de muitos investidores. Uma carteira balanceada de boas startups pode ter uma rentabilidade média de até 25% ao ano.
Essa pode ser a mais óbvia e clássica explicação para o aumento de investimentos em startups, mas não só é necessário ter os investidores, mais também boas empresas para serem investidas. Já tivemos em outras épocas períodos de excesso de liquidez e baixas taxas de juros, e esse fenômeno não ocorreu.
Que fatores vimos em 2020 e ainda presentes em 2021 transformaram e propiciaram essa revolução em investimentos-anjos?
Revolução digital
Esse ambiente digital e remoto que tivemos que mergulhar da noite para o dia já era uma realidade para muitas startups em seu dia a dia e até fazem parte do DNA de seus modelos de negócio. Muitas delas possuem a maior parte da força de trabalho de “nativos digitais” plenamente acostumados a utilizar toda sorte de ferramentas on-line.
Planos de transformação digital esquecidos nas gavetas de muitas empresas grandes tiveram que ser implementados em questões de semanas. Flexibilidade, rapidez e resiliência, características que todas as empresas e pessoas tiverem que adquirir nesse cenário de pandemia, já são o diferencial das startups que se reinventam, testam seus produtos e serviços e se adaptam aos diferentes ambientes externos com maior facilidade. Uma startup é capaz de realocar uma grande quantidade de recursos e mudar seu negócio principal em pouco tempo, a famosa “pivotagem”.
Nesse ano de pandemia, muitas soluções digitais foram criadas e implementadas por startups e o papel dos investidores-anjo em prover conhecimento e recursos nessa fase de vida das startups foi e continua sendo fundamental.
Nós, da Gávea Angels, mais do que os recursos necessários para o financiamento das startups, aportamos o conhecido “Smart Money”. Em meio ao surto de coronavírus, os investidores-anjos estão cada vez mais próximos dos fundadores, seja no suporte a seus planos de vendas, planos de contratação, custos e todas as outras necessidades de seus negócios, seja, até mesmo, no suporte psicológico de quem já passou por várias crises anteriores. A crise também pode criar oportunidades, pois os mercados em mudança e os obstáculos criam desafios a serem resolvidos e maneiras das startups escalarem suas empresas.
Como todo grupo de anjos, temos uma tese de investimento bem definida, suportada em três pilares: I) time de fundadores e equipe técnica; II) mercado de atuação da startup (tamanho, concorrência, ambiente regulatório) e III) adequação do produto ou serviço a demanda de seus clientes, “product-marke fit”.
O mercado de atuação da startup dever ser grande o suficiente para que a startup possa crescer e escalar de forma consistente e com velocidade. Ambiente regulatório claro e definido e concorrência saudável também são fatores que atraem investimentos. O time de fundadores e a equipe são fundamentais nesse estágio em que se encontra a startup. Precisam ter dedicação integral, resiliência, flexibilidade e, para além das habilidades técnicas e conhecimento do produto ou mercado, precisam ter caráter e serem confiáveis. O time é que executará o projeto e transformará uma ideia em produto.
E, por fim, o produto ou serviço da startup deve resolver uma necessidade real e gerar valor para os seus clientes com a menor fricção possível.
O que esperar para o ecossistema de investimento-anjo em 2021?
Acredito que a tendência apresentada em 2020 se aprofundará em 2021, com a busca por produtos e soluções com forte base digital e remota, sejam soluções de pagamentos, marketplaces horizontais ou verticais e demais serviços que prezem pela comodidade e evitem o contato presencial, sejam soluções que busquem o bem-estar dos consumidores, saúde, educação, que vem passando por uma revolução digital acelerada, preservação de meio ambiente, energia renovável e até mesmo startups com propósitos sociais e de inclusão econômica, como microempréstimos ou microsseguros. Startups com forte viés nas tecnologias emergentes deverão atrair interesse dos investidores: blockchain, inteligência artificial, IoT e também startups fora do eixo Sul-Sudeste, que em 2020 mostraram que suas soluções e seus produtos podem ser consumidos independentemente de sua localização e, por fim, startups lideradas por mulheres.
Investimento-anjo em tempos de Pandemia e perspectivas para 2021
Por Marcelo Deschamps d’Alvarenga é membro do conselho diretor da Gávea Angels e sócio-fundador da MD8 Consulting.
12/02/2021